terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sambo, Fatty, por uma arquitetura de finos instintos


Nem todos se deram conta do real significado da homenagem póstuma que o American Institute of Architects conferiu ao Professor Samuel Mockbee ao conceder-lhe em março, a Medalha de Ouro de 2004, a maior honraria que um arquiteto pode receber nos EUA. Ela é o reconhecimento de que o conjunto das obras do premiado impôs sua marca pessoal na teoria e prática da arquitetura. O maior feito do arquiteto Samuel Mockbee, Sambo como é conhecido, não foi entretanto um conjunto de obras fantásticas, monumentais e as vezes até inexeqüíveis, como podia-se esperar quando se examina a lista dos laureados anteriores, entre eles Frank Lloyd Wright e I.M. Pei.

O conteúdo de sua obra é mais prosaico. Sem mostrar o mesmo glamour das obras de seus pares tem, no entanto, significação muito mais profunda. A escolha de seu nome significa o reconhecimento oficial da importância crescente da filosofia que fundamenta o Rural Studio, instituição criada por ele e que começa a despertar um tremendo interesse na comunidade internacional ligada a arquitetura e ao urbanismo sustentáveis.

Sambo, e outros professores da Universidade Auburn no Alabama, fundaram em 1993 o Estudio Rural, pretendendo incrementar as condições de vida nas comunidades carentes do chamado "cinturão negro", berço da cultura algodoeira no sul dos estados unidos. Ao mesmo tempo visava introduzir e desenvolver no ensino da arquitetura, uma maior preocupação com o social e com o meio ambiente.

Os objetivos iniciais do Estúdio Rural eram principalmente o projeto e construção de casas e instalações comunitárias, promovendo uma sinergia entre a universidade, produtora de idéias e a própria comunidade beneficiada por elas.

O processo começa com a imersão dos profissionais e estudantes nas atividades comunais, o que serve para capacitar os técnicos a superarem opiniões malconcebidas e a projetarem imbuídos da convicção moral de estar servindo a comunidade. Eles deixam o conforto do campus para estudar, viver e trabalhar na sala de aula da comunidade. Esta experiência os ajuda a serem mais sensíveis e confiarem mais no poder transformador do que fazem, do que em abstratas e pré-concebidas boas intenções.

Esta premiação do AIA consagra este programa como importante indutor de mudanças sociais através da formação de arquitetos e urbanistas e da participação comunitária.

Na realidade esta idéia não é nova. Em1973 com a publicação do livro Arquitetura para o povo, o arquiteto egípcio Hassan Fatty despertou a atenção internacional. Neste livro, hoje um clássico, Fatty descreve em detalhes a experiência de planejar e construir a cidade de Nova Gourma. Ele planejava para e com o povo, subordinando os projetos à suas reais necessidades. Fatty embora formado no seio da revolução imposta pela arquitetura moderna, logo viu que as soluções arquitetônicas então em voga não podiam Ter aplicação universal. Tinham que adequar-se ao clima e as condições geográficas de cada local. Ele foi sem dúvida um pioneiro no que hoje chamamos de arquitetura sustentável. Em Gourma, optou por técnicas construtivas antigas e adotou na sua linguagem, elementos da arquitetura vernacular núbia e egípcia. Estimulou o futuro habitante a ser construtor, artesão e artista, participando desde a fabricação do tijolo de adobe até ao acabamento das edificações, para o que até aprendeu antigas técnicas de decoração então esquecidas.

Bom, a história de Hassan Fatty é muito rica e merece um artigo à parte, mas o que é importante destacar aqui é que hoje, 31 anos depois da publicação de seu livro, a premiação de Sambo demonstra que os ideais hassanianos estão cada vez mais vivos e que isto foi reconhecido na própria pátria da globalização, e mais, por uma instituição que usualmente prioriza uma arquitetura monumental, onde uns poucos luminares com acesso a verbas gigantescas produzem edificações esculturais para uma minoria. Nem tudo está perdido, algo está mudando.

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