quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Diretrizes para salvaguardar New Gourma

Prosseguindo em direção a um plano de ação para salvaguardar a Vila de Gourma a associação Save the Heritage of Hassan Fathy acabou de publicar suas Diretrizes Preliminares.
Esta Associação Internacional foi fundada em fevereiro de 2008 e é baseada em Genebra (Suiça), e tem por objetivo salvaguardar a Herança do arquiteto Egípcio, Hassan Fathy.
Seus trabalhos constituem um patrimônio de grande valia e pretencem ao patrimônio cultural da humanidade.

Os objetivos da Associação são os seguintes:

  1. Conscientizar a opinião pública sobre a importânciado trabalho do arquiteto Egípcio.
  2. Prover um palco para troca de experiência entre as Instituiçõespúblicas e privadas, além das Universidades envolvidas.
  3. Promover proteção e projetos de conservação parasalvaguardar esta importante herança.

domingo, 30 de novembro de 2008

Uma nova Arquitetura para o século XXI

A arquitetura moderna da Bauhaus e le Corbusier constituiu-se numa celebração da era industrial. Mas esta nova postura estético-social, ao contestar os antigos cânones arquitetônicos do passado, foi ambientalmente perdulária, reclamando agora da humanidade, um preço elevado. E parece que quem vai pagar a conta, somos nós, os habitantes da Terra do século XXI. Vamos analisar a questão de cima para baixo, do telhado, que nos interessa mais de perto, pois é por ele que as construções na nossa latitude recebem a maior parte da insolação diária, causa primeira do aquecimento excessivo das habitações. O telhado é o elemento da construção que cobre as edificações desde os antigos gregos, dando um fechamento à entablatura, nome dado ao conjunto de vigas e caibros que sustentavam as arquitraves, os triglifos, os métopas e as cornijas. Estes elementos arquitetônicos através da acumulação de experiências construtivas da humanidade, dos materiais disponíveis e das condições climáticas, foram assumindo as formas regionais definitivas que o mundo conhecia até o século 19.

Pois bem, o estilo moderno condenou o telhado! O século XX viu nascer o primado da casa na forma de caixa de concreto e vidro e com isto as habitações foram ficando mais úmidas e frias no inverno e mais úmidas e quentes no verão. As manutenções se tornaram também mais freqüentes. Para restaurar o equilíbrio perdido, houve a necessidade de introduzir soluções alternativas, que se mostraram utópicas, por serem altamente consumidoras de energia e dinheiro. Assim as construções se isolaram de seu contexto ambiental e passaram a depender mais e mais de meios mecânicos e elétricos (sistemas de ar condicionado e aquecimento) para assegurar o conforto térmico de seus usuários. Esta dependência se manifestou também nos próprios materiais de construção, já que os antigos se mostravam inadequados ao novo estilo, mormente quanto à impermeabilização e insulação. Assim estes materiais também tornaram-se mais caros e destruidores do ambiente. Posteriormente o telhado foi timidamente reintroduzido na arquitetura moderna, sempre na forma de uma única água e baixa inclinação, para não prejudicar as proporções aceitas como ideais. Mas o abandono das práticas construtivas tradicionais já havia começado e o 'como fazer', consolidado ao longo de toda a experiência humana, esquecido à margem do caminho.

Em todo o mundo, projetistas conscientes estão cada vez mais convencidos de que as construções atuais impactam negativamente o ambiente e que o uso parcimonioso dos esparsos recursos naturais é uma obrigação de todos.

Existe atualmente um vasto arsenal tecnológico à disposição, que vão desde novas técnicas passivas, isto é, sem dispêndio de energia, até consideração daquelas práticas construtivas esquecidas do passado.

Basta que o arquiteto ou o engenheiro escolha a combinação delas mais adequadas a cada programa, local e clima específicos.

Esta nova arquitetura atualmente não responde por um nome só. É chamada de arquitetura sustentável, arquitetura verde, eco-arquitetura, etc, etc. Mas isto é apenas uma questão de rótulo, o objetivo maior que norteia estas escolas é o mesmo, o da preservação da nossa espécie.

Quando se fala em construir com a natureza pensa-se logo em mais um modismo surgido com o novo século. Nada é mais falso. Basta considerarmos exemplos tradicionais de construções pré revolução industrial, como os iglus e as ocas indígenas, para vermos que já incorporavam controles simplificados do clima no seu interior. No primeiro exemplo, na forma do uso de material de grande massa térmica, o gelo, que permitia a preservação do calor interno e no segundo, na forma das pequenas portas que regulavam a entrada do sol.

Mas, como construir hoje habitações em harmonia com a natureza? As disciplinas que irão definir a feição da nova arquitetura, são a tecnologia ambiental, a conservação de energia e a sustentabilidade, entre outras.

Mas cada um de nós pode desde já, na prática de nossa construção, favorecer o uso de materiais renováveis e recicláveis, madeiras de reflorestamento e outros materiais beneficiados sem excessivo custo eco-energético. Optar pela reciclagem de águas pluviais e servidas, pela eficiência energética (energia solar passiva, foto-voltaica, hidráulica.) e pelo aproveitamento correto da insolação (orientação e formato da planta, proteção contra a radiação solar indesejada, conservação do calor, ventilação passiva ou de baixo custo). Felizmente percebe-se que estes princípios vem sendo cada vez mais empregados na arquitetura contemporânea.

Também, pudera. A energia solar passiva não tem custo além do de implantação. Àrvores e paisagismo adequado unem o útil ao agradável, pois são além de ornamento, essenciais para uma ventilação natural da casa. A proteção das janelas pelos beirais, a insulação e ventilação do sótão, fonte mais importante no aquecimento das construções em nossa latitude, não é dispendiosa e de fundamental importância. No caso extremo de uma construção realmente quente, uma ventilação ou refrigeração forçada de baixo custo pode resolver, e quando o ar condicionado for indispensável, prefira os mais eficientes ou opte por aparelhos desumidificadores, uma vez que a percepção do calor está diretamente associada a umidade do ar.

A nova arquitetura veio para ficar, mas naturalmente ainda existe um longo caminho a percorrer antes de superar a indiferença e até mesmo a hostilidade e rejeição daqueles ferreamente comprometidos com o setor produtivo do mundo capitalista. Para estes estamos entrando na era dos mega-edifícios, onde toda uma população deverá ser empilhada numa única construção de concreto, metal e vidro, o supra sumo da modernidade.

Mas nem tudo são flores. Existe um problema na feição estética das novas construções. No afã de exprimir seu firme compromisso com os princípios ecológicos, os técnicos envolvidos com esta nova visão, demonstram uma certa incapacidade ao converter suas idéias em objetos esteticamente aceitáveis.

Hoje, muitas das edificações com compromisso ecológico parecem sem jeito, desengonçadas, meio industriais, principalmente quando comparadas com as produções da arquitetura moderna, esta sim, sempre elegante, esbelta e bem proporcionada. Isto é comum nas novas artes e tem analogia até na natureza. O bezerro não dá seus primeiros trôpegos passos e para logo depois já circular com desenvoltura? Isto vai acontecer com a nova arquitetura. Já temos todas as ferramentas para fazer a nova casa, só falta consolidar esta nova estética que surgirá deste esforço conjunto dos arquitetos e engenheiros comprometidos com este pensamento. O propósito principal é assegurar que os novos projetos respondam positivamente as condicionantes ambientais, utilizando de maneira inteligente as ecotécnicas hoje em desenvolvimento. Estas vão tirar partido do sol, do subsolo, dos ventos, do paisagismo e da geografia local, reduzindo drasticamente o custo operacional e de manutenção das edificações.

Não se trata portanto de apenas introduzir no processo construtivo as últimas inovações tecnológicas. Mas sim de estudá-las, processá-las, digerí-las e fundí-las, favorecendo o desenvolvimento de uma nova arquitetura própria para a era da ecologia, um novo construir inspirado no meio ambiente, na consolidação de construções que sejam não somente auto-sustentáveis mas também aconchegante e artisticamente aceitáveis.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sambo, Fatty, por uma arquitetura de finos instintos


Nem todos se deram conta do real significado da homenagem póstuma que o American Institute of Architects conferiu ao Professor Samuel Mockbee ao conceder-lhe em março, a Medalha de Ouro de 2004, a maior honraria que um arquiteto pode receber nos EUA. Ela é o reconhecimento de que o conjunto das obras do premiado impôs sua marca pessoal na teoria e prática da arquitetura. O maior feito do arquiteto Samuel Mockbee, Sambo como é conhecido, não foi entretanto um conjunto de obras fantásticas, monumentais e as vezes até inexeqüíveis, como podia-se esperar quando se examina a lista dos laureados anteriores, entre eles Frank Lloyd Wright e I.M. Pei.

O conteúdo de sua obra é mais prosaico. Sem mostrar o mesmo glamour das obras de seus pares tem, no entanto, significação muito mais profunda. A escolha de seu nome significa o reconhecimento oficial da importância crescente da filosofia que fundamenta o Rural Studio, instituição criada por ele e que começa a despertar um tremendo interesse na comunidade internacional ligada a arquitetura e ao urbanismo sustentáveis.

Sambo, e outros professores da Universidade Auburn no Alabama, fundaram em 1993 o Estudio Rural, pretendendo incrementar as condições de vida nas comunidades carentes do chamado "cinturão negro", berço da cultura algodoeira no sul dos estados unidos. Ao mesmo tempo visava introduzir e desenvolver no ensino da arquitetura, uma maior preocupação com o social e com o meio ambiente.

Os objetivos iniciais do Estúdio Rural eram principalmente o projeto e construção de casas e instalações comunitárias, promovendo uma sinergia entre a universidade, produtora de idéias e a própria comunidade beneficiada por elas.

O processo começa com a imersão dos profissionais e estudantes nas atividades comunais, o que serve para capacitar os técnicos a superarem opiniões malconcebidas e a projetarem imbuídos da convicção moral de estar servindo a comunidade. Eles deixam o conforto do campus para estudar, viver e trabalhar na sala de aula da comunidade. Esta experiência os ajuda a serem mais sensíveis e confiarem mais no poder transformador do que fazem, do que em abstratas e pré-concebidas boas intenções.

Esta premiação do AIA consagra este programa como importante indutor de mudanças sociais através da formação de arquitetos e urbanistas e da participação comunitária.

Na realidade esta idéia não é nova. Em1973 com a publicação do livro Arquitetura para o povo, o arquiteto egípcio Hassan Fatty despertou a atenção internacional. Neste livro, hoje um clássico, Fatty descreve em detalhes a experiência de planejar e construir a cidade de Nova Gourma. Ele planejava para e com o povo, subordinando os projetos à suas reais necessidades. Fatty embora formado no seio da revolução imposta pela arquitetura moderna, logo viu que as soluções arquitetônicas então em voga não podiam Ter aplicação universal. Tinham que adequar-se ao clima e as condições geográficas de cada local. Ele foi sem dúvida um pioneiro no que hoje chamamos de arquitetura sustentável. Em Gourma, optou por técnicas construtivas antigas e adotou na sua linguagem, elementos da arquitetura vernacular núbia e egípcia. Estimulou o futuro habitante a ser construtor, artesão e artista, participando desde a fabricação do tijolo de adobe até ao acabamento das edificações, para o que até aprendeu antigas técnicas de decoração então esquecidas.

Bom, a história de Hassan Fatty é muito rica e merece um artigo à parte, mas o que é importante destacar aqui é que hoje, 31 anos depois da publicação de seu livro, a premiação de Sambo demonstra que os ideais hassanianos estão cada vez mais vivos e que isto foi reconhecido na própria pátria da globalização, e mais, por uma instituição que usualmente prioriza uma arquitetura monumental, onde uns poucos luminares com acesso a verbas gigantescas produzem edificações esculturais para uma minoria. Nem tudo está perdido, algo está mudando.